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Matéria Especial

Os fogos de artifício e a dor na população autista

O relato de uma mulher autista e mãe de crianças no espectro acerca das festas e barulhos intensos no final de ano

Reunião de famílias, amigos, festa, música alta, rojões e fogos de artifício. Um resumo básico da realidade vivida por tantos nesta época do ano. Mas o que para muitos significa alegria, festa e curtição, para alguns pode ser incômodo e até trazer dor, principalmente quando falamos de rojões e fogos e o barulho que eles fazem. Animais, idosos, crianças recém nascidas, hospitais e unidades de saúde… Muitos são os grupos mais sensíveis ao barulho dos fogos, mas para um específico, eles podem simbolizar uma dor. É o caso dos autistas.

Juliana Mathias é autista grau leve, tem uma sensibilidade auditiva moderada e conta que, para ela, o barulho dos fogos é extremamente doloroso. “É uma dor que eu não consigo explicar em palavras, mas a cabeça dói, o ouvido dói”, relata. Ela é mãe do menino Davi de sete anos, que é autista severo e da Laura, de dois anos e meio, que é autista de grau leve. “O Davi tem uma comorbidade do autismo que é o transtorno do processamento sensorial. Aqui em casa não ligo o secador de cabelo, batedeira elétrica, liquidificador, pois causa dores no meu filho e ele fica desregulado sensorialmente”, explica.

Para ela e a família que moram em Cocal do Sul, se torna difícil sair e comemorar essa época de festas de final de ano. “No ano novo ficamos aqui em Cocal, pois sabemos que na praia o barulho é ainda pior do que aqui nesta época. Sempre tem os fogos aqui, e desde o primeiro rojão, o Davi já fica agitado e chora”, lembra ela, que já se prepara para mais uma virada de ano. “A gente sabe que as pessoas querem comemorar, festar e muitas vezes estão tão empolgadas com essa comemoração que elas não param para pensar nas outras pessoas”, lamenta.

A Atendente Terapêutica, Camila Machado, que trabalha e acompanha autistas de várias idades na região, explica que este grupo possui diversas particularidades que devem ser respeitadas. “Normalmente pessoas com autismo possuem hipersensibilidade a sons que fazem com que ruídos e barulhos sejam superdimensionados, trazendo desde irritabilidade até crises comportamentais mais graves, como agressões e auto agressões, que dependem do grau e diagnóstico de cada indivíduo, até choro e desestabilização emocional-comportamental”, explica a especialista, que lembra também da importância da rotina de horários e ações para esse grupo.

“Aqui em casa, às 20h30min, as crianças costumam estar dormindo. Então todo ano é um transtorno, pois a meia noite quando os fogos começam, meus filhos acordam chorando e gritando desesperados. Ficamos sem saber o que fazer, tentamos tampar o ouvido, mas nada resolve. A Laura se acalma rápido, mas o Davi segue até umas 3 horas chorando”, relata Juliana.

Para Camila, a empatia por parte das pessoas ajudaria a amenizar o problema. A Atendente Terapêutica escreveu uma carta aberta à população, onde dá dicas aos pais de crianças autistas e faz um apelo por mais respeito para com o próximo. Confira na íntegra:

Lembrando que são relatos que chegam a mim. São afirmações baseadas em famílias que vivem isso, em uma ciência clara e em seres humanos que merecem atenção.

Nossa sociedade ainda precisa internalizar o conceito de empatia, ou seja, colocar-se no lugar do outro. Quando eu solto um foguete ou algo do gênero ignorando ou não sabendo estar próximo de um hospital, um idoso, doente ou de uma pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), na praia por exemplo, estou pensando no bem coletivo?

É super normal nessa época do ano vizinhos não respeitarem com volume de sons de carros e músicas altas, (já ouvi tantos absurdos, como “se quer silêncio vai para o meio do mato”. NÃO! Todos podemos conviver no mesmo âmbito social, respeitando-se e assumindo o risco de contribuir para o transtorno ocasionado por tal prática, mesmo que ‘sem querer’.

Uma dica para os pais de autistas seria: Com antecedência converse com a pessoa autista que mora na sua casa; trabalhe com previsibilidade (quadros de rotinas ajudam muito); explique o que geralmente acontece e crie condições de tolerância (um fone, por exemplo); Procure sempre antecipar determinadas situações.

E para quem solta, os fogos de artifícios são considerados poluição sonora, trazendo prejuízos para idosos, doentes, autistas e animais.

Vibre o ano novo, de forma consciente. E alegre-se com sua atitude de escolher respeitar pensando de modo geral. Que tal iniciar o ano pensando no próximo?

Camila Machado
Atendente Terapêutica ABA (Ciência da Análise do Comportamento Aplicada)
Pós graduanda em ABA

O que é o autismo?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio no desenvolvimento do cérebro que afeta a capacidade de relacionamento com pessoas e o ambiente.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5 (referência mundial de critérios para diagnósticos), pessoas dentro do espectro podem apresentar déficit na comunicação social ou interação social (como nas linguagens verbal ou não verbal e na reciprocidade sócio emocional) e padrões restritos e repetitivos de comportamento, como movimentos contínuos, interesses fixos e hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais. Todos os pacientes com autismo partilham estas dificuldades, mas cada um deles será afetado em intensidades diferentes, resultando em situações bem particulares. Apesar de ainda ser chamado de autismo infantil, pelo diagnóstico ser comum em crianças e até bebês, os transtornos são condições permanentes que acompanham a pessoa por todas as etapas da vida.

O TEA afeta o comportamento do indivíduo, e os primeiros sinais podem ser notados em bebês de poucos meses. No geral, uma criança do espectro autista apresenta os seguintes sintomas:

  • Dificuldade para interagir socialmente, como manter o contato visual, expressão facial, gestos, expressar as próprias emoções e fazer amigos;
  • Dificuldade na comunicação, optando pelo uso repetitivo da linguagem e bloqueios para começar e manter um diálogo;
  • Alterações comportamentais, como manias, apego excessivo a rotinas, ações repetitivas, interesse intenso em coisas específicas, dificuldade de imaginação e sensibilidade sensorial (hiper ou hipo).

Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5 rotula esses distúrbios como um espectro justamente por se manifestarem em diferentes níveis de intensidade.

  • Uma pessoa diagnosticada como de alta funcionalidade apresenta prejuízos leves, que podem não a impedir de estudar, trabalhar e se relacionar.
  • Um portador de média funcionalidade tem um menor grau de independência e necessita de algum auxílio para desempenhar funções cotidianas, como tomar banho ou preparar a sua refeição.
  • Já o paciente de baixa funcionalidade vai manifestar dificuldades graves e costuma precisar de apoio especializado ao longo da vida.

Por outro lado, o diagnóstico de TEA pode ser acompanhado de habilidades impressionantes, como facilidade para aprender visualmente, muita atenção aos detalhes e à exatidão; capacidade de memória acima da média e grande concentração em uma área de interesse específica durante um longo período de tempo.

Cada indivíduo dentro do espectro vai desenvolver o seu conjunto de sintomas variados e características bastante particulares. Tudo isso vai influenciar como cada pessoa se relaciona, se expressa e se comporta.

Por Ana Paula Nesi – com informações autismoerealidade.org.br